- Bolinha, posso te falar algo? - Hunf... - Acho que você tá muito abusado, chegando aí do nada, escalando minhas pernas e se jogando em meu colo. - Hunf... - Isso mesmo, Bolinha. Não rola nem sequer aquele agrado de você se esfregar primeiro para sentir se o clima tá bom entre a gente. - Hunf... - Vai ficar só nisso? Se defende, vai. - Hunf...humano, cala a boca que estás perturbando o meu sono. - Desculpa, Bolinha. Vou ficar quieto...
O céu de Boa Vista, às 8h da quinta 10.04: nada de nuvens
7h30, no carro, vamos para a escolinha:
- Papai, eu não estou vendo nenhuma nuvem no céu.
Eu, que mais cedo havia visto na TV a previsão “Chove no Norte e em Roraima o tempo fica estável”, com um sol imenso sobre o nosso pedaço no mapa, respondo:
- É, filho, hoje vai ser muito quente. Toda vez que não tem nuvens no céu vai ser muito quente, com o sol pelando a gente.
Ele, vendo o lado positivo (?) do sol e da luz:
- É, vai ser quente mas vai ser muito bom para brincar de fazer sombras. Legal, né?
- Papai, tô com fome!
- Ah, já quer comer?
- Papai, que tal carne? Ela me deixa carnívoro!
- É? Como o que?
- Como um dinossauro!!! Grrrrrrr!!!
Na cozinha:
- Não, Edgarzinho, não abre a geladeira. A carne já está aqui fora.
- Onde?, pergunta, caminhando para a varanda.
- Não é lá fora, é aqui fora, filho.
- Aqui fora? Não estou vendo.
- Eu não disse "lá fora". Eu disse que já estava fora da geladeira.
- Papai, não tem nenhuma carne aqui fora.
- Tudo bem, filho: a carne já está comigo, aqui na cozinha...
Toda vez que chego na maloca, o Edgarzin se esconde. Eu finjo que nunca sei onde ele está e que me assusto quando surge de seus esconderijos e faz, bem alto, "BUUUU!!!!". Somente depois desse ritual lúdico é que conversamos, nos abraçamos, beijamos etc.
Numa noite dessas, após todo o ritual, ele veio:
- Papai, o que você trouxe?
- Nada, filho. Só o meu amor por você.
- Amor?
- É, filho, meu amor por você.
- Hum...
Deu um tempinho, olhou por cima da mochila, fez cara de pesquisador e mandou ver no questionamento:
- Papai, mas é amor de brinquedo ou amor de amor só?
- Filho...filho...papai...Ed...Edgarzinho...Filho...acorda, filho...papai...filho, tá na hora de ir pra escola...Ediiiiii...filho...acorda, papai, tá na hora...
(Ideia genial)
- Filho, hoje é dia de levar brinquedos pra escolinha, lembra? O dragão verde de duas cabeças já acordou, tomou banho, escovou os dentes e está na mesa, te esperando. Você quer levá-lo?
(Edgarzin, olhos fechados, sorri e balança a cabeça, arrastando-a sobre o travesseiro)
- Então levanta, filho, que está na hora...Ed? Papai? Edgarzinho...Edgarzinho...levanta, bebê...filho...bora, filho, vamos nos atrasar. Ed?..
(Da Série Remember, um texto publicado originalmente em 3 de junho de 2005. E que venham os cinco anos do Crônicas da Fronteira.)
Ele disse: Bah, guria, para que tanto aperreio. Não é melhor assumir que a idade nos torna cínicos como as pessoas que detestávamos há alguns anos? Ela argumentou: Mas e os sonhos, onde vão ficar? Ele respondeu: Vende. Conheço um cara que paga bem por restos de inocência.
quinta-feira, dezembro 18, 2008
Previsões
Diz a manchete de página do jornal Roraima Hoje, um dos três que circulam em BV:
13º salário
Quase R$ 15 milhões circulando no final de semana
Escreve o repórter no lide:
Governo do Estado e Prefeitura de Boa Vista pagam, neste final de
semana, a segunda parcela do 13º salário de seu funcionalismo público,
o que representa cerca de R$ 14,730 milhões injetados na economia
local.
Diz o povo na sala:
- Vai ter tanto assalto este final de semana.
- Tanto neguinho caindo no golpe da baluda
- Os trombadinhas vão fazer a festa.
- O comércio vai ficar um inferno.
- E os caixas? Já pensou nas filas?
- A estrada para Santa Elena vai congestionar.
- Ei, e a fila da gasolina. O negócio é sair cinco da manhã e chegar
cedo para não pegar fila.
- Acho melhor usarem o cartão de débito. Grana viva só na segunda.
- É, mas é bom não usarem muito. Olha a crise.
- Ei, tá feio o negócio. Se vacilar, ninguém chega em fevereiro
- Tu viu a reportagem de ontem no Jornal Nacional? As montadoras tão
pagando para os operários ficarem em casa e vão dar férias coletivas.
Ninguém sabe se vão voltar.
- Eu, heim...
- E em fevereiro, que vem de uma só vez IPTU, IPVA, escola dos meninos...
- É...
- É...
- Vamos investir na exportação?
- Hum...sim...para aproveitar a implantação da ALC e da ZPE, né?
- Boa, boa, boa.
- Vamos trazer coca da Venezuela e revender para ganhar um extra?
- Ou então maconha da Guiana?
- E se a gente for pego?
- Pois é. Se tiver que pagar advogado, já era o IPTU, IPVA, escola dos
meninos...
- Melhor ficar quieto.
- É vero.
- Mas que era uma boa idéia, era. Se não fosse o IPVA...
quinta-feira, junho 05, 2008
Jueves
Soy un angel caído, lleno de cuchillos en el pecho, pensando en el paraíso, esperando la muerte, pobre y olvidado.
terça-feira, julho 24, 2007
Comidas
Ela disse, sedutora:
- Tenho para ti esta noite beijos, queijos e vinhos. Depois deles, o que pode acontecer conosco?
Ele respondeu assim, meio sem entender a óbvia segunda intenção:
- Não sei...ter uma indigestão?
Perspectivas nada animadoras surgiram no horizonte a partir daquele momento.
- Você não está mesmo percebendo nada de diferente em mim?
Ele, preparando-se para o pior, respondeu hesitante com outra pergunta:
- Éééé... alguma coisa de maquiagem ou nas roupas?
Mostrando seus cabelos, ela disse:
- Se você prestasse mais atenção em mim, teria percebido que fiz mechas na cor tabaco! Mas você não olha direito!
Para livrar-se de qualquer pena, ele contra-atacou:
- Meu amor, é claro que tinha percebido. Tava só brincando contigo. Vem cá pra te fumar todinha, vem...
Amores fumantes
Ela perguntou, em tom já visivelmente irritado:
- Você não está mesmo percebendo nada de diferente em mim?
Ele, preparando-se para o pior, respondeu hesitante com outra pergunta:
- Éééé... alguma coisa de maquiagem ou nas roupas?
Mostrando seus cabelos, ela disse:
- Se você prestasse mais atenção em mim, teria percebido que fiz mechas na cor tabaco! Mas você não olha direito!
Para livrar-se de qualquer pena, ele contra-atacou:
- Meu amor, é claro que tinha percebido. Tava só brincando contigo. Vem cá pra te fumar todinha, vem...
quinta-feira, maio 17, 2007
Amor com capuccino
Ela disse, chateada:
- Não consigo esquecer dele. E não é por achá-lo lindo, pela elegância que transborda ou pela forma sempre gentil com que me tratou. - É pelo sexo então? - Não. Adorava fazer sexo com ele, mas também adorava ficar apenas sentindo o seu coração bater. - É pelo dinheiro, pelos presentes? - Pára com isso. Sou mulher de depender de homem para ter alguma coisa? Sou rica de terceira geração.
Irritado, ele perguntou:
- Pô, então o que é que esse sujeito tem de tão especial?
Suspirando, ela respondeu:
- Ai, acho que é por causa daquele maldito capuccino expresso que ele me entregava na cama todo dia ao acordar...
- Tudo bem, já basta! A partir de hoje acabo com minhas atividades e prazeres ilícitos!
Ao seu lado, surpreso com a determinação, ele apenas balbuciou:
- Como assim? Quer dizer que...
No mesmo tom, ela repetiu:
- É isso mesmo! Por mais que seja bom, acabou. No more coisas ilícitas!
Ele apenas conseguiu dizer "mas, mas", enquanto a viu atravessar a rua cheia de certezas, deixando-o dono de dúvidas sobre quais eram essas coisas ilícitas e, principalmente, quem era aquela mulher.