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terça-feira, março 10, 2020

Cien años de soledad no braço


Depois de quase três anos fiz a minha segunda tatuagem. Botei em meu braço direito um pouco do livro que mais li e reli na vida: Cien anõs de Soledad, de Gabriel García Márquez. 

A tatoo é uma ilustração do artista plástico argentino-brasileiro-baiano Carybé para uma edição brasileira do livro de Gabo.




 Embaixo da imagem vem um trecho da descrição sobre a chuvarada que caiu em Macondo: 


Llovió cuatro años, once meses y dos días. Hubo épocas de llovizna en que todo el mundo se puso sus ropas de pontifical y se compuso una cara de convaleciente para celebrar la escampada, pero pronto se acostumbraron a interpretar las pausas como anuncios de recrudecimiento.



Choveu quatro anos, onze meses e dois dias...é muito tempo de chuva caindo nos telhados... Eu adoro chuva, mas quando quero ou preciso fazer algo que demanda tempo seco e não tenho isso já começa a me dar uma agonia e já penso “tá bom, eu pedi chuva, mas tá bom”. Fico como o personagem da música Súplica Cearense, escrita por Waldeck Artur “Gordurinha” Macedo e Nelinho:

Oh! Deus, perdoe esse pobre coitadoQue de joelhos rezou um bocadoPedindo pra chuva cair, cair sem parar

Voltando à tatuagem e ao livro: um exemplar de Cien años de Soledad, que hoje está guardado e bem surrado na casa da minha mãe, apareceu numa estante da nossa casa em Guasipati, na Venezuela, quando eu tinha uns 11 ou 12 anos de idade e eu li, reli, li de novo e a cada leitura sempre descobria uma camada diferente na saga da família Buendía. E sempre, mesmo depois de ter quase trinta anos, me assustava na última página com a descrição do fim de Macondo... 

Desde 2017 eu andava pensando no que iria colocar a mais de tatuagem no corpo. Achei nas buscas essa ilustração de Carybé, a quem conhecia de citação no diário-autobiografia de Jorge Amado “Navegação de cabotagem”. O artista fez várias outras ilustrações, mas esta é a relativamente mais simples de fazer e de visualizar. As outras têm muitos detalhes e fiquei como medo de que isso se perdesse na tatuagem. 



No final do ano passado fiz a revisão textual-conceitual da dissertação de uma colega, Vanessa Brandão, e decidi guardar a grana do pagamento para fazer a tatuagem. Enrolei, enrolei e na semana anterior à volta para o trabalho percebi que ou fazia logo ou ia demorar muitos meses mais para tatuar. Pesquisei valores com uns artistas aqui da cidade de Boa Vista e no final acabou saindo mais barata do que o orçamento que havia feito no final de 2018 com outro sujeito. E ainda pude incluir a frase. 



A dona patroa Zanny Adairalba me acompanhou na sessão, feita na quarta-feira de cinzas de 2020, e fez algumas fotos. Ficou empolgada e quem sabe este ano não seja ela a fazer uma tatuagem no seu corpo moreno. 



Eu tenho uma pasta no google drive só de imagens que gostaria de tatuar. A próxima eu queria que fosse algo do Batman, algo bem tenebroso. Talvez seja na batata, mas o mais certo é que seja no antebraço, onde possa vê-la. Eu gosto de olhar para elas sempre que posso. Fico que nem pai de criança achando bonitinho, bonitinho o filhotinho. 

E você, o que gostaria de tatuar e em que parte do corpo?

segunda-feira, julho 29, 2019

Cantando “por la esquina del viejo barrio lo vi pasar...” no abrigo dos migrantes



 Antes que acabe o mês, uma lembrança: dia 19 de julho fui com a turma de poetas Elimacuxi, Zanny Adairalba e Vitor de Araújo fazer uma intervenção poética no abrigo para venezuelanos migrantes que fica na avenida São Sebastião, bairro Santa Tereza.

Zanny Adairalba, Edgar Borges, Elimacuxi e Vitor de Araújo: poesia no abrigo
Eu, quem me lê e quem me conhece sabe disso, sou mais de colocar as pessoas para falarem poesia do que propriamente ser o falador. Me dá preguiça e desencanto ensaiar a performance. Mesmo assim, quando a Eli me passou mensagem convidando para a intervenção, não tive dúvidas e topei na hora.



Para minha parte, separei uns poemas que havia escrito em portunhol, mexi um pouco para melhorar a sonoridade deles e também falei para a Eli que ia cantar/recitar uma música.

Dito e feito, me arrisquei e meio que cantei pela primeira vez na vida. Bem, na verdade, falei e tentei cantar. Mas não há fraude nisso porque já fui avisando o povo do abrigo sobre não ser cantor.

Escolhi Pedro Navaja, de Ruben Blades, uma música que ouço desde a infância e sempre cantarolo. É meio falada, então achei que não passaria tanta vergonha. Eu acho que não foi. Mas cada um julga conforme seu interesse.




Vou lhes dizer: foi gostoso demais ver o povo cantando a música. Deu uma energizada boa. Tô até pensando em pegar outra música e agregá-la ao meu repertório.

segunda-feira, fevereiro 25, 2019

#ÉguerraTáOk

Sexta-feira, véspera de carnaval. Pressionado pelos seus seguidores nas redes sociais, cansado de ouvir os filhos reclamando dessa história de não mandar tiro nos comunistas, chateado depois do último vídeo de seu filósofo preferido e, sobretudo, após ter sido repreendido por Trump nos bastidores, o presidente brasileiro anuncia logo cedo em seu perfil no Twitter: CABÔ! BASTA! VAMOS DEFENDER A DEMOCRACIA! O BRASIL COMEÇA HOJE DE TARDE A DEVOLVER A VENEZUELA AOS VENEZUELANOS! #ÉguerraTáOk. A mensagem é replicada por milhares de pessoas. Na sequência, ainda no Twitter, convoca o Estado Maior e os principais ministros para discutir como será a operação. Os militares não querem, lembram que há 149 anos não entram em guerra com ninguém, avisam que não tem munição para segurar a onda, mas o presidente não recua, ameaça incluir todo mundo na reforma da Previdência e assim consegue comandar a situação. 

Imediatamente após a mensagem, as bolsas de valores do mundo inteiro começam a flutuar perigosamente. Investidores retiram seu dinheiro do Brasil e as ações das empresas de armas começam a subir vertiginosamente. A OPEP não se pronuncia, marcando primeiro uma reunião com os diretores da Exxon e outras companhias petroleiras. Em Boa Vista e Pacaraima, internautas postam “Agora vai”, “Brasil acima de tudo”, “O mito vai acabar com o socialismo” e “Eu quero guerra contra o comunismo”, todos com a hastag #ÉguerraTáOk. Quem se pronuncia contra é linchado virtualmente e chamado de “traidor da pátria”. 
Às 11h30, o plano de guerra é anunciado pelo presidente, que veste novamente a camiseta falsificada do Palmeiras para falar sobre como vai acabar com os bandidos venezuelanos (A camiseta? Ah, tá. É verde, verde é a cor do Brasil e também a do Exército, justifica na coletiva).  

China e Rússia avisam: não apoiamos vocês. A ONU diz que não concorda com nada e Trump já despachou seus assessores especiais na área de guerra para o Brasil. A Colômbia não diz que sim nem que não, surpresa com o ato do governo brasileiro, que começa suas ações no sábado de Carnaval, aproveitando a ressaca da primeira noite do feriadão. Maduro avisa que seu governo vai reagir ao “imperialismo ianque-brasileiro com bravura e dignidade”. Ninguém leva fé, mas ele chama e avisa seus generais: “se eu cair, como ficam vocês e seus esquemas? Todos vamos nos dar mal”. Como ainda não há garantias concretas de anistia para os militares, todos juram lealdade e mobilizam suas tropas em direção a Santa Elena de Uairén. O mundo acredita que logo, logo, eles mudarão de ideia.

Os aviões que decolaram de Boa Vista atacam a infraestrutura de Santa Elena para imobilizar qualquer reação inicial. A ideia é tomar conta do país vizinho e aproveitar para tirar o foco dos laranjais e outros problemas. No whastapp, a população boa-vistense está eufórica. Muita gente aposta que vai ser fácil acabar com o governo do Maduro. “Daí, esse monte de venezuelano preto e pobre que veio para cá vai voltar rapidinho”, diz uma das mensagens no grupo “Unidos pela Venezuela”. Martins, cliente de uma boate no Buritis, começa a pensar: se todas as prostitutas voltarem de repente, os programas vão aumentar de preço. Não sei, não. Isso não está certo...

A primeira bomba brasileira cai no posto de combustível a poucos metros da fronteira. A população de Pacaraima fica estupefata e começa a xingar a falta de planejamento dos arquitetos da ação de paz (porra, e agora como é que a gente vai abastecer?) O medo e a revolta do lado de lá aumentam quando a segunda bomba é jogada no hospital de Santa Elena e outras mais são jogadas no quartel, no comando da Guarda Nacional e na subestação que manda energia para Roraima. O ataque inicial, padrão em casos de guerra, traz consequências: Boa Vista entra em alerta energético, o preço dos combustíveis dispara, milhares vão aos postos para abastecer antes que tudo acabe, a migração dos venezuelanos aumenta e incha Pacaraima. 

O governador roraimense é chamado às pressas para Brasília. Lá, anuncia que tudo agora será estado de exceção e calamidade. As aulas são adiadas mais uma vez e os pais com alunos na rede pública se desesperam ao pensar que o ano letivo de 2019 deve acabar só em 2020. Aquecendo a economia, diversos empresários já começam a mandar mensagens aos secretários oferecendo seus produtos.

O Exército da Venezuela reage à agressão brasileira, agora impulsionado também pelo ódio e tristeza dos soldados que perderam amigos e familiares nos primeiros ataques brasileiros. A ação inicial de Caracas é mandar seus caças de origem russa atacarem o quartel brasileiro em Pacaraima. Centenas morrem. Para evitar que cheguem reforços por terra, bombas são jogadas na BR-174, fazendo com que a parte da serra desmorone. Os habitantes de Pacaraima agora estão isolados completamente e há rumores de que hoje à noite vai ter saqueio nos supermercados. Os empresários contratam e armam ostensivamente seus seguranças. A comida quadruplica de preço na serra e duplica em Boa Vista. O Procon diz que não pode fazer nada, que é lei da oferta e da procura. Uma emissora de TV divulga matéria sobre como vestir-se em tempos de conflito e ensina a reaproveitar os restos de ontem para fazer uma deliciosa sopa “Venezuela libre”. 

Se as empresas que exploravam o turismo na Gran Sabana agora buscam alternativas para não fechar por falta de clientes, os hotéis e hosteis estão lotados: jornalistas do mundo inteiro estão chegando, interessados em cobrir a primeira guerra do continente americano em décadas. Romances começam a acontecer e, entre uma matéria e uma coletiva em Boa Vista, há gringos sendo levados para conhecer a beleza do por do sol nas praias Grande e dos Gnomos. Na Eletrobras, a direção da empresa se reúne para analisar de quanto será o reajuste na energia após a desconexão com a hidrelétrica  de Guri-Macágua. Na vila Três Corações, vulgo Km 100, seu João reclama que agora não tem mais gasolina da Venezuela para revender em seu postinho alternativo de combustível. “Isso tá errado. A guerra não era para nos fazer passar perrengue. Isso tá errado”, diz.   

De Brasília, vestindo camiseta florida e com o motorista já esperando para levá-lo ao aeroporto para poder noronhar-se, o ministro da Economia manda um recado ao povo: fiquem tranquilos. Isso não afetará os rumos da modernização do país. O Brasil continua atacando e, para suprir a falta de munição, dispensa licitações e compra milhões em munições e armas das empresas dos Estados Unidos e Iraque. Trump elogia o Brasil pela coragem de enfrentar a ditadura madurista e sugere acelerar as privatizações para que não falte cash na hora de renovar o estoque de armas. Moscou e Pequim continuam dizendo que a intervenção não é o caminho e já encaminharam seus porta-aviões para o Caribe para garantir seus interesses. Nos bastidores, discutem com Washington e Guaidó os horizontes econômicos pós-fim da Guerra da Venezuela. Ou, como alguns historiadores vão preferir contar, da Guerra do Brasil.

Novos ataques são registrados de lado a lado. Pacaraima agora está a escuras, sem internet e sem água. Santa Elena parece um deserto e as comunidades da etnia Pemón começam a servir de abrigo para quem deixou a cidade. As famílias dos jornalistas destacados para a fronteira estão desesperadas pela perca de comunicação com eles. Em Santa Elena as emissoras de rádio são atingidas por bombas. Milícias começam a surgir dos dois lados da fronteira. Brasília diz que as nossas são do bem e convoca extraoficialmente seus especialistas cariocas para assessorá-las. As facções criminosas aumentam o preço das drogas e os casos de assalto e furtos começam a aumentar em Boa Vista. O 5° DP transborda de tantas denúncias e há rumores de grupos paramilitares em ação. Os empresários locais começam a mandar seus familiares para outros estados, inflacionando o preço das passagens aéreas e terrestres. 

O mundo olha perplexo o povo brasileiro: o Carnaval toma conta das ruas do país e a guerra é cada vez mais comentada nos grupos do Whats e do Telegram. Em Boa Vista garantem que a festa não vai será suspensa para poder inspirar alegria aos hermanos: “é a nossa contribuição para nossos vizinhos neste momento tão difícil que enfrentam. Depois da tempestade sempre vem a bonança. Aproveitem que estamos com desconto no último lote dos abadás”, declara em seus stories o dono do maior bloco boa-vistense. No instagram, tudo continua em perfeita harmonia e as hastags #AlegriaNaFolia e #AlegreEAmorNoCarnaval são as mais utilizadas pelos digital influencers. 

O caos começa a ser melhor percebido na quarta-feira de Cinzas, quando se descobre o fim do estoque de paçoca em Roraima. Um produto químico jogado não se sabe ainda por quem provoca um novo efeito secundário. Conforme mensagens de áudio e texto que não param de chegar, parece que pessoas pálidas, ensanguentadas e em farrapos começaram a morder quem se aproxima delas. Por precaução, os remetentes pedem para espalhar em todos os grupos até alguma autoridade ler e fazer alguma coisa. 

sexta-feira, fevereiro 15, 2019

Dias de café e você



Verga...lo que quiero hacer y lo que estoy haciendo. Não sei, não sei se é isso. Um poquitico de café con azúcar y nos vamos e voltamos e dios, que cansaço carrego...


Eu falo comigo em espanhol e sempre xingo.  Xingo mais do que quando falo sozinho em português. É como se fosse um diálogo mais cru, mais duro, seco. Eu tenho dores nas mãos, nos ombros, na vida. Las cargo porque, bueno, si no soy yo, quién será? Castaños, sus ojos eran castaños y...ay, papá... 

Não sei o que faço agora aqui, divagando. Poderia. Não, deveria estar focado na ciência, na pesquisa, no estudo, mas essa luz que vem da rua, meu cachorro pedindo carinho, essa caligrafia no bilhete que ganhei no bar com um recado convidativo, todo me saca de este lugar y me lleva a pasear. Y el sueño tambien convida a não fazer, que no se nos olvide. Hay sueño, pereza, ganas de un jugo bien frio en la lengua y tus lábios en mi boca. Ajá, me pillé. Lo que pasa es que te recuerdo como cuando venias desnuda, me jalabas hacia un lado, zumbavas mis cuadernos al suelo (que rabia, que rabia), tiravas minhas calças y pegabas tus muslos con los mios. 

Como era sabroso y como ibas y venias sobre mi hasta que el uno o el outro ou os dois llegábamos a donde debíamos llegar, algumas vezes gemendo baixinho, outras vezes soltando um palavrão, dois palavrões, coisas assim que traduziam melhor o nosso momento. Y entonces nos besávamos lentamente, tu te ibas meneando el culo como se fosse um convite para continuar (ay, dios mio, obrigado por este piazó e’ culo tán rico que me regalaste, pai amado), mas aí já era hora do almoço y o povo devia estar chegando já, então melhor ficar quieto, deixar repousar y quien sabe seguir más tarde estos juegos, esto de probarnos el gusto el uno ao outro, engolir nossas almas, compartilhar calor, salivas, risadas y una que otra mordida en el cuello.

Ainda há um pouco de café na xícara. Que cansaço feliz, que buena recordación de ti, mamita, pero ahora tudo é diferente, é quinta-feira e não temos tempo para brincadeiras assim. La responsabilidad nos llama, maltrata, ordena obediencia y nos castiga con sua rotina sem graça y muitas obrigações. Me duele pero...bueno, desse jeito es la vida.


terça-feira, agosto 14, 2018

Tínhamos todas as boas opções do mundo...






Tínhamos todas as opções do mundo, mas escolhemos justamente navegar placidamente em mares de raiva. Optamos por não olhar para as nossas responsabilidades, por evitar críticas fundamentadas, estudadas, refletidas, analisadas.

Optamos por esquecer que acima de nós havia uma outra categoria de pessoas com mais poder, mais dinheiro, mais voz e outros interesses que não os nossos. 

Optamos por ouvi-las e segui-las, sem atentar que seus destinos não eram os nossos e que seus alertas de “perigo” e “basta disso” eram um canto da sereia que levaria nosso barco às pedras e o deles ao porto.

Tínhamos tanto amor para espalhar, para postar e respostar, mas optamos por sermos ínfimos, maledicentes, por entrar em listas pedindo que fechassem as portas da casa que sempre adoramos quando nos éramos os visitantes, os estranhos, reis em outros lugares.

Nem todos fomos assim, é verdade. Houve quem não gritasse ódio e sim berrasse amor, fraternidade, entendimento, compreensão, empatia e outras coisas consideradas bobagens. 

Houve quem mantivesse isso e houve quem apenas falasse, sem nunca ter agido com amor, que já bastava de tanto carinho para os outros, que estava na hora de ser carrancudo, odioso, opressor, mesquinho e outros adjetivos confundidos com moralidade, patriotismo e cuidados com os da terra.

Houve quem falasse em meritocracia enquanto bebia algo caro sentado na cadeira de couro que ganhou de sua família, de seu esquema financeiro corrupto e corruptor, de seu padrinho político... 

Houve quem falasse em religião como motivo mais do que justo para não aceitar o diferente e ouve quem usasse a religião como motivo mais do que justo para apontar sua língua bifurcada contra o diferente.

Claro, houve muitos que amaram, que abraçaram, que criticaram o alvo certo, mas continuaram ajudando. E houve também quem foi ler mais, ouvir mais, conversar mais, lembrar mais de si e de seu passado (ou do passado de seus antepassados) para entender que a história é cíclica e o mundo dá voltas por ser redondo – nunca plano, apesar da insistência.

Uns tinham todas as opções do mundo e optaram por gritar em vez de abraçar.

Outros (ainda bem que havia bem em outros) também tinham todas as opções do mundo e escolheram a empatia, a ajuda, o entendimento de que amar só os próximos e os conhecidos não faz sentido e de que o mundo é muito grande para alguém insistir em ser pequeno e achar isso uma grandeza.

quarta-feira, julho 25, 2018

Todos tão iguais - um poema sobre migração (texto e vídeo)

Olha só que legal este acontecimento de julho: os alunos da oficina de teatro da Escola do Sesc Roraima interpretaram um poema de minha autoria. 

A dramatização de "Todos tão iguais - um poema sobre migração" fez parte da programação turística do Fórum de Presidentes de Federações do Comércio, que reuniu mais 100 representantes das entidades (Fecomércio-Sesc-Senac-IFPD) de 16 estados do País. 

A direção da interpretação ficou a cargo de Karen Barroso, instrutora da oficina.

Abaixo, você pode conferir a performance dos alunos. Na sequência o poema. 



Todos tão iguais - um poema sobre migração

Eu já fui lá de fora

Ele já foi de lá fora
E não duvide: você também já foi bem lá de fora

Minha família veio de longe

A família dele veio de por aí
E se você pensar um pouco
Sua família também não é daqui

Quem é só do lavrado 

Se somos de todos os cantos
Temos vários sotaques, várias cores 
Amamos vários sabores?

Em um estado como Roraima

Formado na base da migração
Não gostar do migrante é bobagem
É ódio sem lógica e nem razão

Pense apenas um pouquinho 

Nisto que vou lhe falar:
E se fosse você por aí
Tentando a vida recomeçar?

Como gostaria que fosse

O tratamento por você recebido
Xingamento, pedrada, brutalidade
Ou mãos estendidas em sinal de amizade?

Reflita sobre o que lhe falamos

Pensem no que dizemos antes
Moramos no meio do mundo
Somos de todos os cantos
Somos todos migrantes

Eu já fui lá de fora

Ele já foi de lá fora
E não duvide: você também já foi bem lá de fora.


========

P.S.: Caso você não tenha visto minha fala sobre a influência da migração na literatura roraimense, dá um click aqui e vê como foi o encerramento do II Sesc Literatura em Cena, realizado em junho pelo Sesc Roraima.  

quinta-feira, novembro 09, 2017

Uma manhã angustiada- crônica sobre mais um movimento xenofóbico em Boa Vista


Acordo mais cedo do que o normal. Hoje o dia tem umas tensões especiais e isso afeta meu sono. Preparo um pão com queijo e um capuccino, tomo meu café da manhã e vou navegar nas redes.

São 6h13 ainda e leio na TL que uma idosa vendedora ambulante de origem venezuelana foi espancada e roubada no Centro da cidade.

6h13. Tão cedo e já começo a lacrimejar de angústia, pensando que diabos de cidade é esta, com gente tão má sentindo-se à vontade para agredir os estrangeiros e tratá-los como lixo.

Bem mais tarde, depois de encarar o motivo da tensão especial, abro os jornais na internet para fazer as leituras de rotina.

Abre site, fecha site, tropeço com este título da Folha de Boa Vista:

“ESTRANGEIROS NAS RUAS 
Prefeitura começa apreender produtos e a coibir venezuelanos nos semáforos”.

Meu estômago já começa a se revirar.

Lembro que ontem à noite havia fotografado a manchete do mesmo jornal (essa foto abaixo) e pensado: caraca, a prefeita de Boa Vista não age muito diferente do prefeito de São Paulo, aquele a quem muitos chamam de fascista: vai usar tudo o que puder de leis e códigos burocráticos para manter a cidade asséptica, dificultar a vida dos venezuelanos e garantir o voto da galera que está odiando o fluxo migratório.



Só não achei que faria isso tão rápido. Um dia divulga que não se pode vender nos sinais, citando o ilustre desconhecido código de posturas e no outro já manda fazer a limpeza social, intimidando o pessoal com os guardas municipais e apreendendo os produtos que garantem o pão na mesa de um monte de gente que não está em Boa Vista porque queria estar, mas porque precisa.

Tudo para ficar bem diante dos eleitores, essa pura gente brasileira, que ignora suas próprias histórias de migração em busca de melhores condições de vida.

Que tipo de gente é essa que não tem empatia com os menos favorecidos e pede que os tirem das ruas pois se sentem incomodados com a sua presença? Que tipo de políticos são esses que atendem estes pedidos?

Não sei o que me traz mais desalento: se essa parcela da população ou os dirigentes da cidade, pois, salvo engano, a Prefeitura de Boa Vista não tem uma política de inclusão para os migrantes.

Salvo engano, não está apoiando as ações que o Estado e um monte de organizações com CNPJ e
sem CNPJ estão realizando. Pelo contrário, entrou com ações judiciais para livrar-se de atuar com elas e só oferece atendimento em saúde e vagas nas escolas porque seria demais deixar de ofertá-lo, mas não se furta a reclamar disso todas as vezes que pode.

Sem nenhum medo de engano e parafraseando seu slogan, a prefeitura não está trabalhando para cuidar das pessoas que decidiram vir de outro país para morar em Boa Vista.

Vai se aferrar a questões orçamentárias para fugir dessa responsabilidade até quando?

Que tipo de cidade é esta?

quinta-feira, março 16, 2017

Crônicas de viagem: passando o Carnaval 2017 na Gran Sabana



Fim de tarde na  Gran Sabana
Como adiantei na última postagem, depois de falar sobre minhas frustrações carnavalescas, chego agora com um relato da viagem que, juntamente com um grupo querido de amigos, fiz para a região da Gran Sabana, ali na Venezuela.


A ideia de não passar o Carnaval aqui em Boa Vista começou a germinar em janeiro. Talvez a única coisa que me parasse aqui na cidade fosse ir ver o Bloco do Mujica, na esperança de ter uma noite carnavalesca como a de 2016, quando a turma deu duas voltas na avenida e rolou uma chuva linda no começo da segunda, espantando um calor que durava semanas já.




Entretanto, as probabilidades da chuva rolar novamente justamente no show do Mujica eram bem pequenas. Melhor partir pro interior e fazer algo diferente, fiquei pensando.




A primeira ideia foi fazer uma jornada até as serras do Uirumutã, no extremo norte de Roraima, passando uns dias explorando as cachoeiras da região mais fria e alta do estado. Mas a estrada para lá é ruim que só, meu carro é pequeno e a conta familiar ia ser bem alta no final. 


Veio a intenção de ir para a serra do Tepequém, à esquerda da BR 174 sentido norte. Cachoeiras, natureza e um festival de jazz eram a pedida. Só que para ir lá o povo já fica ligado bem antes de janeiro. Resultado: todas as pousadas que procuramos (aqui já pensando com os amigos o que faríamos no carnaval) estavam cheios ou com os valores das diárias um pouco acima da altura da serra.





Ficou a Gran Sabana, na fronteira do Brasil com a Venezuela como opção carnavalesca. E que bom que ficou. Quando bateu a tarde de sábado de carnaval, atravessamos eu, Zanny e Edgarzinho uns 200 km de lavrado roraimense rumo à Serra de Pacaraima. No caminho, uma parada de praxe no Km 100 para comprar paçoca e esticar as pernas.



Paçoca na mão






Casinha da montanha
Lá, na casinha mais linda da montanha, já estavam Timóteo, Grazi e Liz esperando pela gente. No outro dia chegaram Filipe, Natasha e a pequena Isabela. 



Na segunda, trocamos nossos reais por bolívares (pegamos as novas cédulas em circulação e com isso diminuímos o volume nas carteiras) e abastecemos no posto de combustível que fica a uns 40 metros da fronteira do Brasil com a Venezuela (com a gasolina sendo vendida a R$ 1,50 o litro, acabaram as intermináveis filas que atrasavam a vida de todo mundo que ia visitar a Gran Sabana).


Amanhecer na rua da casinha da Montanha

Carros abastecidos e bolívares nas carteiras, atravessamos a cidade de Santa Elena de Uairén rumo ao acampamento de Manakachi, distante aproximadamente 180 km da fronteira. Tirando a perturbação do Edgarzinho, que a cada 100 metros perguntava se já estávamos chegando, tudo correu bem no percurso, que tem paisagens muito bonitas, inclusive a visão do Monte Roraima e outros tepuys no horizonte.

Troncal 10, a rodovia que corta a Gran Sabana



Manakachi estava lotado dos viajantes venezuelanos e alguns poucos brasileiros. O nível do rio estava um pouco mais baixo do que quando estivemos lá pela última vez, possibilitando explorar umas partes novas em seu leito de pedra e água bem gelada.

Aummmm....




Fazendo pilhas de pedras em Manakachi

 Quando chegou a noite, instalamos o que o guarda florestal chamou de “pequeno circo” e fizemos uma roda para rir e conversar sentindo frio (coisa rara em Boa Vista), além de beber cerveja e vinho comendo pão com linguiça e jogar “dica”. Tudo isso ouvindo as playlists que o Timóteo e o Filipe haviam baixado do Spotify.  A temperatura chegou aos 18 graus centígrados. Para quem vive num clima sempre acima dos 30º, isso é quase neve.







O circo: lâmpadas de led, churrasqueira e risadas



Lá pela meia-noite decidimos levantar acampamento e irmos para o hotel que fica na frente do trecho conhecido com Rápidos de Kamoirán. Como já havíamos feito a reserva de tarde, conseguimos descansar de boa nos quartos alugados e quentinhos (diária de 20 mil bolívares, equivalente a R$ 20, 00 no câmbio paralelo da fronteira).
 
As únicas coisas ruins do nosso quarto foram não ter tomada para carregar o celular e o chuveiro, que não tem água quente e é fraco demais para molhar rapidamente um corpo inteiro. Como eu não consigo encarar um dia sem tomar banho, a opção quando amanheceu foi entrar no rio, rezar para não congelar e gritar a cada mergulho.


Rápidos de Kamoirán


Depois do banho, tomamos café, abastecemos no posto na frente do hotel (botei uns 15 ou 20 litros e paguei algo como 150 ou 200 bolívares, equivalente, no máximo, a 20 centavos de real) e partimos para conhecer uma cachoeira citada por um conhecido que encontrei no hotel.


A entrada para a outra cachoeira, cujo nome não lembro, fica a uns 5 ou 10 km dos Rápidos de Kamoirán. Tem que sair da troncal 10 e percorrer uns 900 metros. A estradinha é tranquila até para carros baixos como o meu. 



Tomamos banho nela, brincamos um pouco e partimos para almoçar em Santa Elena, jantar em Pacaraima, dormir na casinha da montanha da família TimGraziLiz Camargo e, no outro dia, depois de comer panquecas, voltar para casa. 

Liz e Edgarzinho: panqueca com mel
  
Esse foi o carnaval de 2017. Uma delícia de dias passados em boa companhia, sentindo frio, comendo muito (minha barriga que o diga, rindo muito e fazendo planos para uma nova volta, lá por abril ou maio deste ano.


Se curtiu o relato, mas quer saber mais sobre essa viagem, deixa tua pergunta nos comentários. Sempre respondo.


Abraços viajantes.

terça-feira, dezembro 20, 2016

O nosso presépio de Natal / pesebre de Navidad / Christmas crib de 2016

Quando era moleque na Venezuela uma das melhores épocas para ver coisas bonitas era o Natal. Em minha cidade, Guasipati, havia um concurso da rua mais bonita, o que levava a pessoas a pintarem até o asfalto com imagens de todos os tipos. Quem podia, iluminava a fachada de sua casa com as luzes natalinas.

Uma vez fui a Ciudad Bolívar, capital do estado de mesmo nome, no final do ano e vi um monte de casas com belos presépios. Sempre gostei de ver quais elementos faziam parte da decoração. Na igreja católica de Guasipati, o presépio tinha mais ou menos uns 3 x 2m. Passava longos minutos admirando tudo.

Enfim, em Boa Vista nunca achei muito valorizado isso da própria comunidade embelezar as ruas e colocar presépios na frente das casas para que os transeuntes os admirassem. No máximo, umas luzes nas árvores. Mas não culpo: cidade maior, gente que pega as coisas e leva, ventanias, eventuais chuvas...Não rola, né?

Eu mesmo nunca fui de montar presépios ou montar árvores de Natal, mas depois que o Edgarzinho nasceu, mais por conta da parte lúdica do que por crença cristã, todo ano a gente monta a árvore (e espera o Papai Noel, para juntar bem a “magia” do Natal com as paradas capitalistas que a mídia nos joga a cada momento).

Por alguns anos montamos um desses pinheiros de plástico. Na verdade, os montadores sempre foram o Edgarzinho e sua mãe, Zanny. Eu basicamente fazia a parte de comprar luzes se todas estivessem queimadas ou repor algum adorno. Há uns dois anos pegamos uma árvore seca ou um galho grandão, não sei bem, pintamos (Zanny pintou, sendo sincero) e ela  passou a ser a nossa árvore natalina versão ecologia-reaproveitamento-de-material-que-poderia-ser-descartado.

Este ano, decidimos inovar e montar um presépio. Inspirado por esta imagem, que ano vai, ano vem, o povo compartilha nas redes, joguei a ideia lá na maloca: “vamos usar os bonequinhos da coleção e fazer a cena do nascimento de Jesus? Basta pegar uma caixa de papelão e pronto”.



Feito isso, a equipe paterna Borges e Adairalba entrou em ação, o que resultou no primeiro presépio que montamos nos oito anos de vida do Edgarzinho, que também participou da produção.
Tendo Batman no papel do José, Catwoman como Maria e Jesus sendo representado pela bonequinha Zanny (que a Zanny da vida real ganhou de seu pai no dia em que nasceu), eis o nosso presépio, gente:







Entre os espectadores, o único “rei mago de verdade” é o Dr. Estranho, que está aí já jogando umas bênçãos na Zanny. 

Os Transformers e os animais e dinossauros vieram direto da coleção do Edgarzinho. O Wolverine ficou meio escondido (acho que ele está mais para segurança do que para rei mago, né?). E não esqueçamos de destacar a action figure do Odin, o Pai de Todos, vendo aí o nascimento da concorrência.Ah, e a Cheetara dos Thundercats cavalgando um dino.

Ah, fizemos um vídeo também, com música e tudo mais. Confere:

terça-feira, março 08, 2016

Noitada elétrica



Peguei um vale-night ontem e me empolguei tanto na festa que dormi fora. Exagerei na bebida e fui parar numa rede, seminu, sendo tocado e mordido durante horas por várias fêmeas. 

Voltei para o leito matrimonial quase amanhecendo. Quando ela acordou, não comentou nada, mas o seu olhar não mente: sofreu e dormiu mal me esperando...

Parece conto erótico, declaração descarada de adultério ou relato banal de uma orgia maravilhosa na noite de segunda, mas é só uma forma bonita de dizer que o apagão de quase 11 horas ontem em Boa Vista me obrigou a dormir na varanda de casa, onde as carapanãs fizeram a festa comigo numa das noites mais quentes do ano.

Tecendo hipóteses: o apocalipse zumbi deve ser algo parecido como ontem: a energia acaba, ninguém abre os portões elétricos e os carros ficam do lado de fora, pessoas vagueiam pelas ruas usando lanternas, arrombadores e ladrões fazem a festa, a comida na geladeira estraga, famílias ficam sem contato telefônico e a internet não funciona.

The Walking Dead é Boa Vista. Melhor, Lost é Boa Vista: racionamento/corte brutal de energia elétrica, telefones mudos, água dos rios secando, queimadas aumentando e cada vez menos companhias de transporte aéreo atendendo a quem quer sair do Estado.

Falando sério: a coisa deve ficar pior. A Venezuela já começou o racionamento de energia, lá na Venezuela o embalse de Guri seca a cada dia e El Niño faz a festa com gestões ruins de planejamento.

Além disso, tenho minha teoria particular da conspiração: quem sabe se esses cortes não são instrumento para pressionar a população e quem manda na população a fortalecer as campanhas pelo novo linhão de transmissão de energia?

Sei lá, né? Só sei que a noitada foi longa e ela estava cabisbaixa de manhã e quase não falou nada. Ou estava triste por minha causa ou estava cansada da noite sem energia. Ou então, ai, ai, ai, também se empolgou numa noitada paralela.